sábado, 22 de outubro de 2011

O que contamina o homem - A essência da Espiritualidade (Mc 7.1-22)

Por Bispo José Ildo Swartele de Mello

Por conta da gripe suína, está se falando muito sobre a importância de lavar as mãos. No passado, Jesus travou um debate com os fariseus sobre algo que tinha a ver com lavar as mãos. Mas Jesus não estava legislando sobre higiene e saúde. Para uma melhor compreensão do assunto é fundamental uma análise do contexto.

Os líderes religiosos legalistas da época do Novo Testamento criticaram os discípulos de Jesus por não terem lavado as mãos antes de uma refeição. Bem, se a queixa dissesse respeito à higiene e à saúde até que faria sentido, mas não era este o caso. O problema é que os discípulos de Jesus estavam infringindo uma das muitas regras espirituais criadas e sustentadas por aquele grupo religioso. Segundo eles, a contaminação era de ordem espiritual e não física. Alguém que quebrasse a regra não estaria sujeito a uma doença física, mas sim a uma enfermidade espiritual. A santidade era medida através do cumprimento das regras e proibições, de modo que o indivíduo era excluído do grupo, recebendo a pecha de profano, imundo e pecador caso não as obedecesse.

Jesus bateu de frente com aqueles religiosos, dizendo que tais regras são inócuas e não produzem santos, mas apenas hipócritas preocupados com a fachada espiritual, quando a sua própria estrutura está completamente comprometida. Como exemplo da inconsistência de tal pensamento religioso, Jesus menciona uma regra que os religiosos costumavam usar para burlar a lei áurea do amor. Em nome de sua tradição espiritual estavam deixando de honrar e cuidar de seus próprios pais. Acabamos negligenciando o principal quando nos apegamos a picuinhas.

Regras acabam por afastar os homens da essência da verdadeira espiritualidade. Aprendam o que significa misericórdia quero e não sacrifícios (Mt 9.13). O Apóstolo Paulo declarou que Jesus nos livrou das regras e preceitos humanos através da sua morte,”encravando-as na cruz” (Cl 2.14), portanto a espiritualidade não se mede através da observância de tais proibições; “ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados. Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade” (Cl 2. 16-23).

O ascetismo para muitos é sinônimo de santidade. Mas Jesus não era asceta como João Batista e nem vegetariano como Daniel. Jesus era visto constantemente comendo e bebendo em festas, nas casas e até mesmo na companhia daqueles que eram considerados pecadores. Tanto que seus adversários maldosamente o chamavam de comilão e beberrão (Mt 11.19). Tal comentário era maledicente, pois Jesus não era dado a excessos, agindo sempre de maneira comedida e exemplar, embora isto não fosse satisfatório para aqueles que possuíam uma mentalidade legalista e asceta.

O legalismo só produz crente do tipo sepulcro caiado, bonito por fora, mas sem vida lá dentro (Mt 23.27-28). O legalismo gera um ambiente de críticas e juízos condenatórios. Maquiados e travestidos de uma pretensa espiritualidade, os que se sentem guardiões da santidade, partem sem dó nem piedade para cima dos infratores. Advertindo contra o perigo da hipocrisia, Jesus disse: “Não julgueis, pois, para não serdes julgados; porque com o juízo que julgardes os outros, sereis julgados; e com a medida com que medirdes, vos medirão também a vós. (Mt 7. 1-2). “Aquele que estiver sem pecado que atire a primeira pedra” (Jo 8.7)! “Por que reparas tu o cisco no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? (Mt 7:3). “Tu, porém, quem és que julgas a outrem?” (Rm 14.4).

Certa vez, Valquíria, esposa do Pr. José Carlos Teodoro, conversava com uma amiga sua que pertencia a uma igreja legalista. À medida que ela compartilhava uma bênção, sua amiga retrucava: “É, mas o Senhor está pedindo o seu cabelo”. Ela testemunhava um outro grande feito de Deus em sua vida, e lá vinha a legalista, dizendo: “É, mas o Senhor está pedindo o seu brinco”. Por fim, a Valquíria contou mais uma bênção e de novo a amiga reagiu dizendo: “É, mas o Senhor está pedindo as suas unhas”. Aí, então, a Valquíria, indignada, rebateu às críticas dizendo: “É, mas o Senhor está pedindo a sua língua!”

O que contamina a alma humana não é o que entra pela boca, mas o que dela sai. Porque a boca fala do que o coração está cheio (Lc 6.45). “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida. (Pv 4:23). Em Mateus 12.35 a 37, disse Jesus: “O homem bom tira boas coisas do seu bom tesouro, mas o homem mau do mau tesouro tira más coisas. Mas eu vos digo, que toda palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, por tuas palavras serás condenado”. E Tiago emenda: “” Se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã” (Tg 1.26). “Assim também a língua é um pequeno membro, e se gaba de grandes coisas. Vede quão grande bosque um tão pequeno fogo incendeia. A língua também é fogo, mundo de iniqüidade situada entre os nossos membros. Ela contamina todo o corpo, inflama o curso da natureza, e é por sua vez inflamada pelo inferno (Tg 3.5,6).

Santidade, portanto, não é algo que se constrói de fora para dentro, mas de dentro para fora. Tem a ver com essência e coração. Não adianta dar uma trato na aparência exterior. Nem adianta investir na decoração. Pois espiritualidade é uma questão de estrutura. No entanto, regras e proibições só conseguem atingir a superfície, não tem podem para transformar o coração. Quando a espiritualidade está centrada na fachada, a hipocrisia e o espírito crítico são inevitáveis. O legalismo sufoca a graça e a misericórdia. Só o amor de Deus pode cativar e transformar o coração humano. O amor procede de Deus. Amor gera amor. Nós o amamos porque ele nos amou primeiro (1 Jo 4.19). O amor é fruto do Espírito (Gl 5.22). Amor é algo que procede do coração. O remédio de Deus para o coração humano é Amor. Todos os mandamentos se resumem a um só: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Rm 13.8-10).

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